Com toques de um realismo mágico bem brasileiro, o novo filme de João Paulo Miranda Maria discute os perigos que a nova política brasileira trouxe para pequenas comunidades e minorias. Tornando sua obra ainda mais importante e atual, o que vemos é um retrato não apenas do presente do país, mas um aviso sobre o que pode acontecer no futuro.
Logo na sequência inicial já temos dicas de todo o processo que o personagem principal, Cristovam, vai passar no longa. Com um cenário totalmente branco e limpo, quase alienígena de tão claro, vemos a luva de Cristovam rasgar, e além de conter um fundo preto por baixo, o ar escapa sem parar dela, aumentando cada vez mais seu tamanho, até que ela precise ser descartada.
Essa representação visual não é apenas sobre o processo do personagem no longa, que começa no ambiente extremamente branco da fabrica de laticínios em que ele trabalha, e que ao tentar assumir e buscar suas origens e personalidade é impedido. Mas também como um símbolo do caos que assola o país, que após uma ruptura profunda parece não ter mais saída, além de tentar recomeçar.

No meio de um movimento separatista do sul, e de comportamentos que exaltam a família branca e os costumes europeus, vemos Cristovam lutando não apenas para manter seu emprego e salário, que são ruins, mas também para proteger seus poucos pertences e sua casa. Mas o que um homem negro pode fazer contra os alemães armados?
É angustiante acompanhar a jornada do filme, já que fica claro desde o começo que essa não é uma história com final feliz. E todas as cenas e diálogos, mesmo os mais absurdos, acabam sendo um ótimo retrato do momento que vivemos. E o filme não tem medo de deixar claro para quem essa crítica é direcionada, com frases e jargões que vemos todo dia aparecem sempre em tela.
Outro grande trunfo do filme é a personagem de Ana Flávia Cavalcanti que mostra como o corpo da mulher negra é visto pelos racistas brancos, e seu dilema de tentar encontrar uma saída para sua situação atual é emocionante.
Sua personagem junto com o Cristovam de Antonio Pitanga além de compor os dramas do filme, também são responsáveis pela parte do folclore e busca das tradições brasileiras. Com montagens belíssimas, é impossível não se encantar com as cenas que trazem esse ar mais surrealista da obra.

Porém, acredito que a história perde força no meio do caminho que ela escolhe seguir para levar Cristovam até seu destino. A forma como ele vai terminar fica clara desde o início, já que sua ligação com as vacas é maior do que com as outras pessoas, e sua jornada em busca das origens causa incomodo na comunidade.
Mas várias atitudes e comportamentos que ele tem perto do final tiram o foco da real crítica que o filme quer passar. Mesmo que sua decaída mostre sua perda de identidade e como ele está desesperado para encontrar algum sentido em tudo de novo, é difícil deixar passar as violências que ele comete contra outras pessoas, também negras.
Casa de Antiguidades é um marco, não apenas tecnicamente mas também como um registro do Brasil atual. E seus temas é críticas se tornam cada dia mais necessários. Deixando claro os motivos que fizeram com que ele tivesse uma carreira no exterior tão forte, se tornando uma obra imperdível.




