Com várias cobranças sociais e um mundo em constante mudança, é fácil cair na tentação de desejar ficar parado e não ter nenhuma responsabilidade. Que é como encontramos Julie no começo de Garota Inflamável, mas como essa é uma forma insustentável de existência o filme tenta mostrar como ela deve mudar e evoluir para seguir em frente.
Logo no começo do longa Julie já explica sua visão de mundo, e seu desejo de ficar imóvel. Mas para manter essa falta de responsabilidade ela busca situações perigosas e criminosas, e sempre volta para o mesmo instituto psicológico para tratamento. Mas dessa vez, uma nova enfermeira, Agnes, que segue os papéis sociais e sua rotina vai mudar tudo.
Gosto muito desse ponto de partida, com duas pessoas que ao mesmo tempo que são opostas em termos de comportamento, estão no mesmo lugar mental de cansaço e insatisfação com a realidade; e acho que ótimas coisas surgem quando esses mundos se chocam.
Mas infelizmente no caso de Garota Inflamável a sensação que temos é de uma história rasa e que passa a impressão de não saber o seu destino, e se perde junto com as personagens nas várias aventuras elas embarcam.
O que faz sua mensagem sobre a importância do equilíbrio e da motivação/paixão na vida das pessoas fique sem força já no meio do filme.

O longa tenta trazer uma discussão niilista, sobre a falta de sentido da vida e como o ideal seria um estado de não existência em frente ao inevitável sofrimento e problemas do mundo. Mas o roteiro e direção de Elisa Mishto tratam do tema de forma tão superficial e simples que fica difícil acreditar que suas personagens ou atitudes são reais.
Começando com Julie, no próprio argumento inicial e sinopse o longa admite que ela é mimada. Porém seus traumas familiares, ou como ela foi afetada por eles, e sua mania de sempre usar luvas de borracha nunca é explicada, o que faz com que ela se torne mais uma caricatura do que uma personagem bem desenvolvida.
E é difícil acreditar que Agnes, uma mulher adulta, que já é mãe e responsável seria enganada e encantada tão facilmente por Julie. Fica claro que Agnes tem problemas em casa e está cansada de sua rotina, mas a forma como isso é mostrado e desenvolvido é muito fraco, e tira todo o peso das ações dela, já que ela se comporta como uma adolescente que nunca amou alguém perto de Julie.
E a química entre as duas personagens principais também não ajuda, e todas as suas interações são mecânicas e desinteressadas. É difícil acreditar que exista algum sentimento real entre as duas e torcer para que alguma coisa de certo na história.

Porém, como estreia em longas, Elisa Mishto mostra que tem muitas qualidades e ideias que podem se tornar excelentes em seus futuros projetos.
Começando com a cenografia e montagem, acredito que o grande trunfo do filme está no andamento que a diretora escolheu seguir nesse filme. Mesmo que as personagens não sejam convincentes, é inegável que desde o começo elas intrigam o espectador para descobrir como aquilo vai se desenrolar e se existe ou não uma saída.
Os personagens secundários também estão ótimos e são eles que sustentam algumas das melhores e mais emocionantes cenas do filme. As interações das protagonistas com eles também tem um excelente timing cômico, que ajuda muito a dar um respiro para a história.
Garota Inflamável está longe de ser um filme ruim, e tem várias ideias e momentos interessantes, além de trazer um novo olhar sobre algumas questões filosóficas. Um ótimo inicio de carreira em longas, e cria aquela curiosidade para ver os próximos trabalhos da diretora.




